quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Tempestade

Ela entrou na livraria pra fugir da chuva. 
Pancada de verão. 
Vestido, sandália e cabelos molhados, correu para a primeira alternativa de abrigo. 
Entrou, o ar condicionado não estava forte o que lhe deu um certo conforto. 
Tentou se recompor e aproveitar a pausa forçada para dar uma olhada nos livros. Perambulou um tempo entre as pilhas sentindo o cheiro do papel e com a vista desfocada contemplava um painel colorido como um quadro impressionista. 
Folheando um livro ou outro, buscava algo definitivo que lhe desse sentido àquele dia. Hábito antigo de tratar os livros com a cerimônia de um oráculo. Mas alguma coisa chamou sua atenção. Um homem, caminhando devagar e tateando os livros das mesas como que sentindo sua temperatura. Ela percebeu de longe sua aproximação. Ele passou por trás dela, parou ao seu lado e pegou um livro. Ela não se afastou. Os braços se roçaram de leve. Mas nenhum dos dois se moveu. Ela levou um choque. Uma centelha percorreu sou corpo e arrepiou os pelos da nuca. Ela se virou para acessar a estante que ficava atrás deles, ficando de costas. Os livros não interessavam mais naquele instante. Mesmo assim, sacou um Quintana que sempre lhe dava bons conselhos. Abriu e levou outro choque com o que leu:

"INSCRIÇÃO PARA UMA LAREIRA
A vida é um incêndio: nela
dançamos, salamandras mágicas
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!

Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida..."

Foi como uma ordem. 

Lentamente foi se aproximando do homem e encostou a escápula nas costas dele. Ele correspondeu num balanço como um carinho. Contatos imediatos confirmados, passaram a se mover por entre as estantes, ignorando os rostos. Apenas esbarrando braços e ombros, como uma dança muda entre folheadas aleatórias e o cheiro das páginas impressas. Arrepios e calor alternavam os sentidos. A livraria cheia facilitava o disfarce.
Depois de um tempo, ela foi ao toalete. Entrou, se olhou no espelho, lavou o rosto que estava quente. Respirou fundo e pensou, o que fazer agora? Não teria coragem de abordá-lo. Pensou em escrever um bilhete. Pegou papel toalha e escreveu seu telefone, decidida a colocar em um livro bem na frente dele para que ficasse clara sua intenção, confiando na sintonia de até agora. 
Lavou novamente o rosto, secou e abriu a porta. Levou um susto, ele a esperava do lado de fora. 
Ela não saiu. Simplesmente se afastou para que ele pudesse entrar. 
Naquele instante, a vida não seria mais como conhecia. Mudou o tom, o ritmo, a cor. 
Ele segurou seu rosto com as mãos, lhe deu um beijo e disse: "Não podia sair daqui com essa dúvida!" (...)

terça-feira, 4 de novembro de 2014

domingo, 12 de outubro de 2014

Porque alguém que diz que te ama vai embora?
Já vivi um bocado e ainda não consigo entender essa merda.

domingo, 5 de outubro de 2014

Para Billy Idol

Ora ora...
Sempre soube.
Lá dentro sabia que estavas aí.
Hoje dancei.
Dancei na pista vazia como se ninguém estivesse olhando.
Mas tive a semelhante sensação, de estar aqui e ser observada por você...
Mas estava lá.
Rodopiando, cantando e suando.
Prazer infinito de não ligar para absolutamente nada.
Sem fôlego só imaginava você me observando.
Quieto.
Que estranha essa vida.
Hi, escrevi.
Você desperta algo bom em mim.

domingo, 6 de outubro de 2013

A casa

A Casa é sua 
Anraldo Antunes

Não me falta cadeira
Não me falta sofá
Só falta você sentada na sala
Só falta você estar

Não me falta parede
E nela uma porta pra você entrar
Não me falta tapete
Só falta o seu pé descalço pra pisar

Não me falta cama
Só falta você deitar
Não me falta o sol da manhã
Só falta você acordar

Pras janelas se abrirem pra mim
E o vento brincar no quintal
Embalando as flores do jardim
Balançando as cores no varal

A casa é sua
Por que não chega agora?
Até o teto tá de ponta-cabeça
Porque você demora

A casa é sua
Por que não chega logo?
Nem o prego aguenta mais
O peso desse relógio

Não me falta banheiro, quarto
Abajur, sala de jantar
Não me falta cozinha
Só falta a campainha tocar

Não me falta cachorro
Uivando só porque você não está
Parece até que está pedindo socorro
Como tudo aqui nesse lugar

Não me falta casa
Só falta ela ser um lar
Não me falta o tempo que passa
Só não dá mais para tanto esperar

Para os pássaros voltarem a cantar
E a nuvem desenhar um coração flechado
Para o chão voltar a se deitar
E a chuva batucar no telhado

A casa é sua
Por que não chega agora?
Até o teto tá de ponta-cabeça
Porque você demora

A casa é sua
Por que não chega logo?
Nem o prego aguenta mais
O peso desse relógio


terça-feira, 13 de agosto de 2013

Completo

Farto,
cheio,
inteiro,
sem que te falte.
Metade da metade colada.
Findo,
enchido de partes
que de dentro saíram
vaziando o estômago.
Completo
levando por fim as raízes
que te atavam aos ossos.
O espaço,
o vão, o buraco restante,
o vazio,
não cabe nada dentro.
Se enche de tudo e de nada.
Completo.





quarta-feira, 10 de abril de 2013

Manuel "simplicidade" de Barros


A PEDRA

Pedra sendo
Eu tenho gosto de jazer no chão.
Só privo com lagarto e borboletas.
Certas conchas se abrigam em mim.
De meus interstícios crescem musgos.
Passarinhos me usam para afiar seus bicos.
Ás vezes uma garça me ocupa de dia.
Fico louvoso.
Há outros privilégios de ser pedra:
a - Eu irrito o silêncio dos insetos,
b - Sou batido de luar nas solitudes.
c - Tomo banho de orvalho de manhã,
d - E o sol me cumprimenta por primeiro.


...em tempos de caos, a simplicidade é a resposta