sábado, 13 de novembro de 2010

Pegando emprestado o pedido

(...)
Que seja carioca no balanço

E veja nos meus olhos seu descanso
Que saiba perdoar tudo que faço
E querendo beijar me dê um abraço
Que fale de chegar e de sorrir
E nunca de chorar e de partir
(...)
Que saiba aproveitar toda a alegria
E faça da tristeza o que eu faria
Que seja na medida e nada mais.

domingo, 7 de novembro de 2010

Pausa para a vida real

Hoje, disse que não escrevo por que estou feliz.
O que fazer...
Estou feliz.
Feliz com o acordar de manhã e pedalar ouvindo minhas músicas.
Observar as pessoas no metrô pela manhã rumo ao trabalho.
Curtir a espera da surpresa desejada.
Sentir a energia que circula pelo corpo.
A inexplicável fé no futuro e a compreensão de que
o presente é o que tem que ser e, ponto.
Sentir o amor, tocar o vento, sonhar, desejar, ser eu mesma.
Ser eu mesma e compartilhar com os amigos.
Ter a coragem de ser irresponsavelmente como sempre quis ser e acreditar que posso tudo.
Sem dramas, sem obstáculos, sem sofrimento.
Com tantas distrações, esqueci de escrever.
Fui viver.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Ferreira Gullar

Dois e dois: quatro


Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
embora o pão seja caro
e a liberdade pequena

Como teus olhos são claros
e a tua pele, morena

como é azul o oceano
e a lagoa, serena

como um tempo de alegria
por trás do terror me acena

e a noite carrega o dia
no seu colo de açucena

- sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena

mesmo que o pão seja caro
e a liberdade, pequena.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Antes da coisa toda começar


Conheci o Armazém em 2001 e na época, me identifiquei com aquele texto humano, voraz e preciso que invadia a privacidade dos meus pensamentos de uma maneira, que eu não conseguia acreditar como podia ser tão eu. Embarquei na viagem e passei a seguir a caravana.
Ontem fui ver o novo espetáculo, uma história onde as personagens escancaram nossos sentidos mais profundos, secretos, numa onda de emoções que vai da tristeza à alegria passando pela aflição da realidade e pelo cômico das situações comuns cotidianas. Mais uma vez, ri, chorei, me identifiquei com fragmentos de emoção que juntos, embaralhados no tempo e no espaço, contavam histórias de pessoas comuns, com desejos e medos. A música aparece desta vez tocada em cena e com uma presença coadjuvante que permeia diálogos, marca referências, veste as personagens de identidade e cria um clima intenso e poético. O cenário, dinâmico, bem pensado e explorado pelos atores, impressiona e cria belas surpresas junto com a luz e as projeções.
Fiquei mais uma vez grata à Companhia por mais esse presente.

domingo, 17 de outubro de 2010



















Retalhos de história
A cidade remenda seus vazios e segue viva
como a criança que cresce,
erra e acerta.
Se espalha, empurra, desanda.
Brota, desenterra.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Dilúvio

...
"Reza, reza o rio
Córrego pro rio
Rio pro mar
Reza correnteza
Roça a beira
A doura areia...

Marcha um homem
Sobre o chão
Leva no coração
Uma ferida acesa
Dono do sim e do não
Diante da visão
Da infinita beleza...

Finda por ferir com a mão
Essa delicadeza
A coisa mais querida
A glória, da vida..."

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Fico só observando e me admiro de ver.
Quem é essa?
De onde veio?
Espera, me explica!
O rio flui em águas fartas e rompe com a represa de anos.
Do alto da torre de comando só observo e desfruto
com surpresa e prazer.
Cada dia uma nova luz se deslumbra.
Não só as azuis, mas também as verdes e vermelhas
que noutros tempos não brilhavam.
Sob o sol ou na tempestade,
o corpo vai seguir seu caminho.
Saltando entre as pedras, brincando e voando até, sem fôlego, encontrar lá adiante a alma fujona, rindo distraída.

sábado, 25 de setembro de 2010

Desejo

Quero a verdade absoluta

o espelho que me fez ver quem eu era
que me permitiu sentir sem esforço
que levou e ainda não me devolveu
que eu nem sei se existe mas
que por alguns instantes estava lá
bem na minha frente

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Geraldo Carneiro

À flor da Fala

é daqui mesmo que eu te conheço?
ah, não? então de que outro lugar será
que eu não te conheço? se eu fosse místico
talvez redecifrasse a tua face
de alguma encarnação imemorial
(ou desde o princípio dos tempos,
antes que os deuses desinventassem
os carnavais do caos).
mesmo não sendo místico diria
desse pequeno prenúncio de apocalipse:
agora sim compreendo a música das esferas,
os teoremas de Arquimedes de Siracusa,
a mecânica celeste, e todos os demais
mistérios do reino deste mundo: só quero
conhecer-te ainda nesta encarnação:
antes que a minha alma improvável
se arremesse na província do nada,
a morada dos seres sem amor

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Para aquele que me fez perder o medo de mergulhar no mar sem fim

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Dia da independência

Ainda atordoada, saí em busca da volta pra casa.
O Centro vazio, na luz fria da manhã de quase sol, estava calmo. Silencioso e belo.
Nenhum carro na rua, nenhum táxi que me resgatasse... não fosse o desconforto da alma, teria querido ficar perambulando e contemplando o casario fechado. Me contentei em apreciar o caminho até o metro. Queria só chegar em casa.
Inútil.
As estações próximas, ainda fechadas para embarque, vomitavam toda sorte de fardas e armas. Todos animados, não exatamente felizes, marchando acelerado com mais destino que eu. Fiquei observando por um tempo tentando saber se estava acordada ou tendo um pesadelo apocalíptico. Segui andando e quando me dei conta estava caminhando sobre as grades da ventilação da estação que tanto me assombram e me fazem imaginar cada milímetro da queda. Mas o passo acelerado não distinguia a medida nem o medo. O Largo da Carioca, que vejo todos os dias apinhado de gente, estava então vazio. Até os ladrões estavam dormindo. Por que eu não? Era a pergunta dentro da cabeça. Só consegui um táxi na Cinelândia, depois de passar ao lado do Municipal reluzente, onde li Tragédia e Comédia na mesma fachada. Fez todo o sentido. Agora vou dormir, chega de catarse por hora.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

qq

qualquer momento, espreita
qualquer lição, respira
qualquer rosto, ilumina
qualquer livro, esconde a página que se espera ler
qualquer esquina, liberta
qualquer palavra, derrama
qualquer caminho, te traz

Fauna

Um senhor, visívelmente perturbado, com caráter duvidoso e sérios indícios de psicoses variadas, acredita que pode ser um psicólogo. Já começa a organizar a formatura e acredita cegamente em Freud.

Um outro que passa seus dias atrás de uma mesa de recepção, sem nenhum proveito dessas horas com algo útil, a não ser falar sem parar sobre o nada, acredita que será eleito deputado estadual. Já se batizou de doutor e já faz sua lista de assessores. Se diz feliz independente do resultado das eleições. Já ganhou de bonus a licença de seis meses com vencimentos garantidos por lei.

Acho que estou sendo má e preconceituosa. São pessoas comuns perseguindo seus sonhos. E vão conseguir.

Enquanto isso, ficamos reclamando da vida o tempo todo.
Eu tenho tentado parar.
Já melhorei muito, nem eu me aguentava!
Mas não basta entender que o que passamos é fruto de nossas escolhas. Isso é filosofia de banca de jornal. Temos que fazer por onde ver outros caminhos possíveis e sair da bolha em que nos metemos para ter menos medo, dormir tranquilos, não ter trabalho nem ter que pensar.

Não que eu vá aceitar a vida como ela é e fazer terapia com o fulano acima ou votar naquele segundo exemplar da massa de manobra. Estas escolhas eu domino bem. O problema são as que a gente nem percebe que faz.
Quando vê já fez.
Aí começa a tortura e a autoflagelação.
É preciso romper esse padão [mais uma frase típica de analista], ver o lado bom das coisas sem ficar cego, entender bem que papel cada pessoa tem em nossa vida sem expectativas mutiladas, buscar prazeres outros que te façam levantar a bunda da cadeira e andar na rua apreciando o dia, isso em si já é um bom começo.

Café da manhã

Era domingo de manhã de um Setembro nublado.
Saiu de casa sem muito a fazer, apenas comprar frutas e pão.
Ela atravessou a rua.
De longe o viu distraído, em frente à livraria.
Ele estava vestindo a velha calça xadrez e o casaco que ela havia lhe dado no ultimo aniversário antes da viagem que os separou anos atrás.
Não sabia o que fazer. Andar até ele e abraçá-lo como se fosse um dia comum e seguir juntos ao mercado como se o tempo não tivesse passado. Ficar de longe guardando as lembranças e deixando tudo como está.
Se deixou paralisar e deu as costas tomando outro caminho.

Ela sabia que ele voltara havia algumas semanas. Chegou a imaginar que ele a procuraria ou apareceria em sua casa de repente. Mas já havia acalmado o coração e esquecido o delírio até então.
Lembrou que o amava. Lembrou do medo que sentia por não saber como seria amar outra pessoa, como a mesma luz se acenderia dentro dela e como seria se deixar amar tão simplesmente por alguém diferente.
Mas o que era isso, do que estava falando? Isso já havia sido superado, ela já era feliz novamente, tinha sua vida, seu trabalho, já não chorava mais. Nunca mais chorou.
Aquela visão abriu uma janela para uma paisagem já sem cores.

Seguiu em frente e foi atrás das cores das frutas e do perfume do pão.
Pequenas coisas lhe davam imenso prazer.
Atravessar a rua numa manhã de poças d´água respirando umidade das árvores e o vento frio eram um acontecimento.
Os olhares para ela eram outros. Ela estava viva e se via na paisagem completamente leve.
Um homem magro, de cachecol e olhos falantes atravessou no sentido contrário e prendeu segundos da sua atenção e respiração. Sentiu um frio na barriga. Foi como se ele, com os olhos, tivesse levado um pouco de sua alma.
Seguiu mais leve ainda por isso.

Liberdade

Como que por encanto,
iluminada em sorriso
acalmo o coração.
E pleno,
parte em nova viagem
tal como pipa que se solta da linha
colore o céu e se diverte com o vento.
Na terra, meninos em alvoroço
correm por cima dos telhados e árvores
a tentar alcançá-la.
A pipa, livre, se ri,
mais moleque que todos eles juntos.

Sem Fim

Quando se tarda revirando a alma
explicando ao vento o que viveu,
a névoa dos olhos se dissolve
e a imagem que se vê no espelho
não é mais aquela frágil manifestação.
Se antes o medo do reflexo ignorava a imagem,
agora mostra o que aprendeu.
Olha em volta e percebe:
você cresceu.

Soundtracks#2

Vai aí mais um punhado de memória musical.

Sonífera Ilha [Titãs], eu tinha 11 anos, menina magrela, cabelos curtinhos, com minha blusa de helanca azul marinho de gola rolê, no inverno de Vila Valqueire. Eu ia de patins comprar pão na padaria e ouvia num rádio perto a música top das paradas.
Eu sei [Legião], Violão nos intervalos das aulas, meu primeiro namorado;
Polícia [Titãs], nas festas do colégio, era o máximo dançar se jogando uns nos outros, eu era timida e não fazia, ficava só olhando morrendo de vontade. Fui aprender a "me jogar" anos depois;
Every Breath you take [The Police], Stephen King, tardes de cinema com Isa e Cla;
Brothers in arms [Dire Straits], uma festa, um amor platônico. O primeiro de tantos. Era mais fácil de administrar.
This Charming Man [Smiths], mais festas, dançar sempre foi meu bagulho!!!
Blue Velvet [Bobby Vinton], filas para senhas no CCBB, filme francês...
Let´s Dance e Ashes to ashes [David Bowie], adolecência, timidez, espinhas na cara, calça jeans e camiseta branca. Eu era nerd! Adorava musica francesa e rock inglês, bem deprê. Tinha poucos amigos, mas fiéis até hoje.
People are strange e Love me two times [Doors], faculdade, viagens, festas, noites viradas trabalhando, namorando, dançando, pessoas estranhas, muitos amigos, outros nem tanto;
Love Shack [B52], Dr Smith madrugada a dentro;
Eu te amo [Chico Buarque], uma história de altos e baixos;
Senhas [Adriana Calcanhoto], as pessoas mudam... ou não mudam e a gente se cansa delas?
Samba de Roda [Maria Bethania], três da madrugada, um galo canta lá longe. Vila Valqueire é quase uma cidade do interior. Hora de limpar a prancheta e constatar que o trabalho não vai estar pronto quando o portão do vizinho ranger a fechadura;
Agora só falta você [Rita Lee], formatura e um pedido de casamento. Foi bonito!
Heroes [D. Bowie], crises e esperança... depois mais crises;
Socorro [Arnaldo Antunes], foi quando assisti o primeiro show do Arnaldo, no palco do finado Ball Room, ele cantava e parecia traduzir exatamente o que eu estava sentindo ha meses, ou seja nada!
Perfect day [Lou Reed], uma paixão fulminante;
Quereres  [na voz de Maria Bethania], poesia e música juntas numa só voz.
O amor [Secos e molhados] maturidade, clarividência;
Eu [Pato Fu] Novos ventos virão...muitas vontades, minhas vontades.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

No mar outra vez

Foi como se meu corpo já esperasse por cada movimento, cada pedaço de mim se sentisse confortável e naturalmente se envolvesse em nuvens que navegam no vento sem esforço.
Eu reconhecia aquele destino.
O tempo experimentado com calma num mergulho suave, o perfume preciso e os olhos, sem querer acordar de um sonho, enxergavam através do seu espelho.
Eu poderia ficar ali para sempre.
Dividir um prazer, um sonho, um desejo.
Me tomou.
Me levou embora de um jeito que não consegui evitar.
Não me sentia assim em paz desde muito tempo.
Me levou e ainda não voltei.
Quando acordei, estava num bote à deriva sem entender exatamente o que tinha me virado do avesso.
As mãos se ocupavam perdidas, um vácuo enchia o peito, a pele doía só com a roupa, o ar entrava e não saía. A cabeça latejante evitava outros pensamentos e os dias passavam em cenas de um filme mudo.
Hoje, lembro do gosto do acontecido como quem lembra do mar, que me levou e ainda não voltei.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Paulo Leminski

Um bom Poema

Paulo Leminski
















um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

----------------------------

Isso é porque ando feliz
e quando estou feliz,
com a cabeça nas nuvens,
sem a veia dramática que inflama de vez em vez, 
não me baixa nada na cabeça
que queira subir pro papel e me puxar junto de volta.

sábado, 7 de agosto de 2010

Florbela Espanca

Amar

[Florbela Espanca]


Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Instinto


Muito antes de me imaginar casando, sabia que seria mãe. Como??... Ah, isso era outro problema.
Depois de muito procurar, achei o caminho. Um caminho natural. A mãe só é completa se for mãe, mulher e filha. Somos mães de um mundo que não se aprende nos livros, mães de diversas origens e razões, mães com garra e sem medo de ter medo.
Mães de todas as horas, mesmo quando não estão com os filhos.
Mães que trabalham, mães que namoram
mães que cedem, que brigam e que choram.
Mães que ensinam e que aprendem,
que descobrem e se surpreendem
que vivem um dia após o outro
cheias de dúvidas mas com a certeza de ter feito o melhor por hora.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Carlos Drummond de Andrade

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história

sábado, 24 de julho de 2010

Sonhos

O sonho que alimenta a alma
por um instante sobe pelas veias
engasga o coração.
Pede passagem e atropela,
rompe o conceito e rói o estômago
durante a descida sem freio.
Chegando ao destino
olho em volta e percebo
que o preço do sonho
é viajar de olhos fechados.
Depois de muitos, aprendo.
Desta vez quero espiar o caminho.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Álbum de fotos

     Eu tenho poucas fotos de infância.

   Algumas do meu primeiro ano, depois outras poucas já na escola. Os registros mais contínuos só começam mais tarde já durante a faculdade. Minha sorte é que tenho boa memória. Não para nomes ou datas, para isso sou inútil, mas guardo bem imagens, cheiros e sons que não sei se um dia se apagarão como o cd de backup que tentei abrir outro dia.

   Hoje a memória ainda é boa mas, seja pela falta de tempo, pela falta de espaço livre ou pela excessiva confiança na atual tecnologia que registra tudo tão facilmente, certos sentidos vão ficando preguiçosos e muitas vezes é fácil ceder à tentação de fotografar compulsivamente e sem alma algum evento ou situação. É um exercício e quero evitar essa tentação acreditando que mais vale ver, ouvir e sentir o momento do que guardar alguns megas no computador.

   Tenho desde a infância muitas imagens reais ou nem tanto gravadas na memória. Meus sentidos registravam as informações e montavam o quebra-cabeça. Foram tempos comuns - família, ferias, escola, algumas viagens... Quando criança, andar pela cidade, esse universo infinito e misterioso, já era uma aventura. Se em trânsito, decorava os caminhos frequentes e gostava de deitar no banco do carro e imaginar o trajeto só pelo seu movimento. Se em casa, minha ou de outros, me chamavam a atenção cheiros, texturas, barulhos, luzes e formas.

   Cresci circulando pelos bairros do subúrbio, fiz alguns marcantes passeios ao Centro, aprendi a me virar sozinha andando de ônibus pela cidade, passei pelo túnel árido e psicodélico que foi estudar no Fundão e hoje moro em outro subúrbio, o antigo, o das chácaras da franja dos morros à beira mar onde nasceram os bairros da Glória, Catete e Flamengo de quando a cidade começou. O Rio é cheio de cidades que se juntaram com o tempo. Costuradas pelas linhas de trem ou de bonde, desenterradas dos morros ou subindo neles. Durante esses anos, sem máquina fotográfica, guardei muitas imagens destas cidades e formei meu banco de sentidos pessoal.

   Irajá me remete ao cheiro da casa da minha avó, uma casa de fundos com um bebedouro de pássaros feito de cimento no chão. O armazém antigo com estantes de madeira escura que cobriam as paredes, o cachorro traiçoeiro, o portão, as ladeiras, a abelha e o ferrão atrás da orelha, os retalhos de costura que caiam aos pés de minha avó onde eu muitas vezes brincava.

   São João de Meriti, bairro de outra parte da família, com casas quase rurais e ruas de lama. Lembro de uma farpa no dedo à beira da Dutra num dia de chuva, as brigas de família, tia Leonor e seus gatos me parecia a única pessoa lúcida da família. O picolé de limão, o iogurte de maçã, o cheiro de mofo, o piso de cimentado vermelho e o telhado à vista. Não lembro se tinham morcegos. Mas o medo ficava por conta de uma boneca da Mônica, design antigo, bem pontuda, que pertencia a uma de minhas tias.

   Cascadura, lá ficava o dentista [pânico!], a loja de eletrônicos do meu pai, o bar da rua Sidônio Paes com seus bancos giratórios de estofado vermelho brilhante de onde eu tinha a vista parcial da cozinheira através do passa pratos. Lá serviam banana split, ovos cor de rosa, pernil assado na estufa. Numa rua ladeira acima ficava a casa onde diziam, nasci. Mas isso eu não lembrava, já naquela época.

   Madureira, cortada em três pelas linhas dos trens. Linhas e linhas, mar de linhas e passarelas que sobem e descem. Um calor insuportável, ruas sujas, poucas árvores, o comércio para tudo o que era necessário, lista de material escolar, fantasia de carnaval, presentes de natal. Dois cinemas, onde eu vi os filmes dos Trapalhões, Guerra nas estrelas e ET.
  
   Na Praça Seca, outro bairro vizinho a Vila Valqueire, havia outro cinema, o Baronesa. Mas este virou logo IURD. Lá vendiam aquelas balas Boneco.
  
   Vila Valqueire, onde cresci, com suas ruas cheias de árvores e com nomes de flor. Hortências, Margaridas, Lilazes...Um oasis com casas de centro de terreno, garagem de um lado, varanda de outro e santo de devoção da família na fachada. Depois aprendi que eram Kitch. Mas pra mim era um padrão familiar que fazia do bairro o meu lugar. Na vila onde morei, haviam algumas casas ainda em construção onde eu brincava de labirinto. Lembro do cheiro dos tijolos e do cimento já daquela época. O asfalto, recém aplicado, ficava grudado nas rodas do meu patins. Tombos e tombos. Tem um especial, que me lembro como se fosse um filme em câmera lenta, em que vejo o chão chegando mais e mais perto até tudo ficar preto. O colégio, onde eu era completamente nerd, enquanto os amigos iam ver Robocop em Madureira eu queria ver Mon Oncle e Blue Velvet no CCBB recém inaugurado no Centro a uma hora de trajeto.

   Veio a faculdade, passei a circular entre Vila, Fundão e Centro. Outros subúrbios. Del Castilho, Abolição, Bonsusesso, Olaria... Bairros mais judiados que os da artéria da Central, mas muito ricos com suas casinhas e sobrados antigos, coloniais e art deco, completamente desfigurados e que eu tentava recompor com a imaginação. Do Fundão guardei as longas viagens diárias de ônibus, carro ou a pé, o cheiro do Abricó, os flamboyans, o prédio da Reitoria e suas histórias, o cheiro das salas com armários enormes que cabiam duas pessoas dentro. Os amigos. O Centro era o ponto de conexão com o resto do mundo. Físico e intelectual. A arquitetura, a cultura, a diversão, a bagunça, a pressa, o trânsito, os terminais de passageiros. Eu andava olhando pra cima quase o tempo todo. Faço isso até hoje. Já caí, já topei com fradinho e já fui muito xingada pelos apressados.

   Hoje mantenho o esforço da observação mas vou bem menos aos subúrbios de minha criação. Me acomodei no meu novo quintal, Flamengo, Catete, Largo do Machado, Laranjeiras, bairros com muito mais estrutura urbana, mais equipamentos, comércio, transporte, investimentos, fiscalização, mas que também possuem sua desordem própria, seus personagens, seu cenário, dignos de muita observação e fotografia. Ando de máquina em punho mas me divirto muito mais não fotografando. Só observo, escuto, respiro.

Manuel de Barros

A TARTARUGA

Desde a tartaruga nada era veloz
Depois é que veio o forde 22
E o asa-dura (máquina avoadora que imita os pássaros, e tem por alcunha avião).
Não atinei até agora por que é preciso andar tão depressa.
Até há quem tenha cisma com a lesma porque ela
anda muito depressa.
eu tenho.
A gente só chega ao fim quando o fim chega!
Então pra que atropelar?

sábado, 17 de julho de 2010

Feliz

Onde quer que você esteja
em outra cidade, país ou desejo,
com rumos cruzados ou transparentes,
foi neste porto que descalçou seus pés
e desarmou meu coração.
As pedras que pisei,
o mar que me jogou muitas vezes na areia,
sentem o que sinto agora.

terça-feira, 29 de junho de 2010

será?

"O que não é o que não pode ser"
E se for, como vou saber?
Se você não tentar nada saberá.
Mas por outro lado,
nada pode ser se não é.
E se basta imaginar que assim será,
forma tomará e a ideia vira fato
não por mágica ou por milagre
apenas pela soma de um desejo
que aglutina como gotas de mercúrio
o que não era nem em sonho
vira real e desconfio
estar sonhando.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Pitangueira

Tem uma pitangueira no meu quintal
ela vai crescer
e provavelmente me dar pitangas
se não fossem pitangas
seriam corações
pintados de azul

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Incêndio e a trombeta da copa

O que a Copa do mundo e as festas de Juninas tem em comum? Notei uma infeliz semelhança neste fim de semana.

Além do lado positivo da confraternização, da cultura dos povos, do caráter de festa, tem também o circo armado que nos cobre com uma lona de euforia mascarando a ignorância e a falta de discernimento do povo. 
Educação?? Pra quê?
Muito bonito o balé em campo, a cena comovente dos jogadores do Brasil e da Costa do Marfim se abraçando antes de entrar em campo, alguns mais outros menos efusivos, que me deram uma impressão de serem todos irmãos reunidos ali apenas pelo jogo e não pelo premio. Eu quase me emocionei, mas essa imagem durou pouco. Em campo a porrada comeu e trouxe junto, a ironia, a truculência e a falta de respeito. Mútua diga-se de passagem. Se isso tudo faz parte do circo, então é aí que eu desclassifico por completo esse jogo de cena onde sobra marketing. Não serve de exemplo de trabalho de equipe, superação e respeito.
Deste lado do atlântico, os torcedores extrapolam seus direitos e esquecem que ao seu lado alguém pode não estar a fim de ficar surdo com o som alto das trombetas ou da música de gosto duvidoso no máximo volume. Pior, seu vizinho, que cara chato, pode de repente querer entrar e sair de sua casa sem ter que pedir licença às mesas e cadeiras colocadas estrategicamente bloqueando seu portão.
São pessoas estranhas. Admito que desde criança me irrito com elas. Mas as respeito e nunca as incomodei com minha música ou minhas festas. Talvez, quando eu era bebê, eu chorasse um pouco alto de madrugada, mas passou depois de alguns anos.
Lá habitam três ou quatro gerações de pessoas sem noção nenhuma de educação e respeito pelo outro. Cresci vendo os adultos ensinando às crianças que hoje fazem o mesmo com seus filhos. Estou sendo intolerante, preconceituosa e chata..., são somente pessoas comuns querendo se divertir, beber e xingar palavrões. Pode ser. Mas há uma regrinha básica para se viver em sociedade que diz que seu direito acaba onde começa o do seu vizinho. E mais, que educação não se aprende na escola. Se aprende em casa.
E é a mesma educação que não permite que uma pessoa, por qualquer razão, faça algo que ameace a segurança e a paz de outra pessoa, muito menos por diversão. E é aí que entra o infeliz que não se preocupou nem um pouco com o que aconteceria caso aquele balão lindo, colorido, o maior de todos, o sou foda!!, caísse no quintal alheio.
Ele, como a grande maioria, está apenas querendo se divertir. Vai soltar seu balão por vaidade ou qualquer outra razão. Mas depois do que vimos no Morro dos Cabritos e do que não vimos no Grajaú e no parque da Pedra Branca, esta razão perde completamente sua importância. O que fica é destruição causada pela estupidez e ignorância.
De tudo isso fica o medo. Medo do circo, medo do voto distraído deste povo, tão cantado e contado pelos quatro cantos, filhos deste solo, tão carente de educação. Eu estou vendo nascer a terceira geração de carentes. Fora os que já viram antes de mim.
Muitos votos darão, certamente. Mas muitos incêndios também.
De resto, quanto aos vizinhos, só acharam minha família antipática por não querer estar lá, curtindo com eles no meio da rua, na frente do meu portão. Nada contra curtir a vida sentada numa cadeira na calçada como boa suburbana que sou. Mas eu sempre pus a minha cadeira na minha calçada e nunca vi minha mãe varrendo o lixo para a calçada vizinha.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Para José de José

Na ilha por vezes habitada

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.


in PROVAVELMENTE ALEGRIA J. Saramago

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade

Soundtrack 1 e 3/4#


Esqueci de mencionar esse clássico!
Vou bate pra tu, Urubu tá com raiva do boi, Folia de Reis...

terça-feira, 15 de junho de 2010

O Guardador de rebanhos

Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?

Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois
E a ti o que te diz?

Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram.

Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti.

Alberto Caeiro

domingo, 6 de junho de 2010

Soundtrack 1#

Musica pra mim é um ingrediente quase fundamental. Quando não estou ouvindo, estou cantando ou dançando.
A depender da música, ouço como uma companhia, um estímulo, um mantra, um remédio, um entorpecente...
Tentei aprender a tocar piano e violão. Desisti. Não tenho talento nem a paciência e a perseverança necessárias. Me contento em ouvir, isso faço muito bem.
Quando eu era bem criança, os vinis de casa eram minha referência. Os únicos discos infantis de que me lembro eram aqueles vinis coloridos de histórias e um LP do Carequinha que eu tinha.
O que me marcou mesmo foram os discos da minha mãe: Chico Buarque, Caetano Veloso, Maria Bethania, Roberto Carlos, Secos e Molhados (eu adorava aquela capa) e algumas trilhas de novelas como Dancing Days e Estúpido Cupido.
Dancei muito pulando de disco em disco que eu espalhava pelo chão. Tinha um quê de "mamãe sou Chacrete" nessa brincadeira e me sentia a tal ouvindo Celly Campelo. No fim, acabava arranhando os discos.



De Chico, gostava da Geni e o Zepelim, aquele drama todo, aquela injustiça, me serviram de referência e exemplo do egoísmo humano. Eu devia ter uns cinco anos.
Bethania era mais grave, uma entidade quase. Quando a ouvia cantar Sem Açúcar, eu ficava tentando imaginá-la se transformando em um cavalo... Ainda me faltavam informações para isso.
A base foi essa, meus primeiros anos, mpb básica e incontestável. Ainda estavam por vir os 80.


segunda-feira, 31 de maio de 2010

Das Pedras


Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim.
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.
Uma estrada,
um leito,
uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.
Entre pedras
cresceu a minha poesia.
Minha vida...
Quebrando pedras
e plantando flores.
Entre pedras que me esmagavam
Levantei a pedra rude
dos meus versos.

Cora Coralina

Viajar!!!!!


Faz um tempinho que não faço uma viagem daquelas, sem pressa, sem rumo, pé na estrada e fé na vida.

Minha alma é viajante... se não saio do lugar não frutifico.
Preciso ver coisas novas, cidades, ares, pessoas, poeira da estrada.
É verdade que nos últimos anos fiz uma outra viagem igualmente rica em experiências que foi ter minha filha. Hoje ela já mostra a que veio e será sem dúvida uma excelente companheira de aventuras.

O Brasil é infinito e não conheço nem metade. O resto do mundo... Nem quero pensar que precisaria de duas ou três vidas para conhecer tudo que sonho, além de algum dinheiro extra.
Dos destinos que já pus na mala, alguns me completam e sinto falta como quem sente fome... Voltarei sempre que puder para beijar o chão, sentir o cheiro e a energia.

Minas Gerais é toda especial, tem lugares maravilhosos e um povo acolhedor. A variedade de paisagens com geografias diversas, formas, cores e cheiros, e a comida então, nem se fala. Serra do Cipó, Diamantina e a aquela paisagem lunar a sua volta, Tiradentes singela, Belo Horizonte com aquele trânsito louco...e claro Pampulha.
Ouro Preto, minha favorita, com suas ladeiras de pedra, o frio, a cachaça, o cheiro de madeira velha encerada, guarda minhas histórias e ousadias.

No Rio, tem Paraty, pequena e gentil entre o mar e a montanha, seus barcos coloridos, as ruas de marés, amigos, amores, um sonho e um destino.

Goiás, além de Brasilia com seus muitos motivos bons e ruins pra não esquecer, tem Goiás Velho, Terra de Cora, lugar mágico. Tem o fim do asfalto pra quem segue pro oeste, tem também inúmeras cidadezinhas fora do circuito que só quem é curioso descobre seus segredos. João Fernandes é uma, com uma arquitetura patchwork de modernismos.

De Goiás à Bahia, vi sertão, vilas no meio do nada com galinhas e crianças correndo pra se esconder do movimento estranho, casinhas com cerca e jardim de mandacarú, cidades fantasma e a Chapada Diamantina, também cheia de surpresas e desafios. Ai que saudade!!

Indo mais longe, de volta ao oeste selvagem rsrs a Chapada dos Guimarães... Imensidão de paredões de fogo que até hoje incendeiam minha memória. No seu caminho, muitas plantações a perder de vista de soja, algodão e girassol. Lindo. Muitos buracos na estrada também. A opção mais gentil eram as estradas secundárias.

Viajar é muito bom. Junto, sozinho, de férias ou a trabalho, atrás de um amor ou de si mesmo. Em hotéis de luxo ou só com o dinheiro do sanduiche da hora do almoço.
De carro, trem ou bicicleta... Avião não gosto muito mas é um mal necessário. Barco...não obrigada. Asas prontas.

sábado, 29 de maio de 2010

"Come on, come on,

Come on, come on
Now, touch me, babe.
Can't you see that I am not afraid?"

Não tenho mais medo.
Mergulhei tal qual o Louco, de cabeça em seu caminho.
É o início de uma nova história.
Jim Morrison já explica até demais.
Por muito tempo me poupei e protegi.
Abri mão de mim.
Me lanço agora no meio da multidão.
Sozinha! Sem armas e sem exercito.
Mas com todas as estrelas que eu puder partilhar.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Encontro

Dançou na chuva e seguiu pra casa sem pensar.
Mais tarde, sem nenhuma vontade de voar, ficou em seu quarto.
Da janela, via o movimento da rua, resolveu se debruçar para ouvir o que falavam.
Risos...você vai? Não sei, pode ser...
Que triste essa alma flutuante...
É livre e não tem porto.
Se parte antes do amanhecer, sente a perda da luz no orvalho.
Se decide ficar, o vento não sopra suas cores para outras árvores.
Canta.
Minha alma hoje fica... mas amanhã quererá ir.
Te seguir talvez...
Ou dar a volta no sentido contrário para encontrar por acaso em outro hemisfério e degustar a surpresa.

domingo, 16 de maio de 2010

Coisa de mulher

Acho que finalmente fiz as pazes com meu lado mocinha. Sempre fui moleque, apesar de não gostar de me sujar, andava basicona por aí, sem maquiagem, desodorante sem perfume, sabonetes suaves, cabelo naturalmente solto, assim assim. Na verdade, nunca tive muita paciência para enfeites, cremes e cores, apesar de ser curiosa no assunto e achar bonito nas amigas. Pois bem, estou me rendendo ao meu outro eu que estava escondidinho. Já vinha experimentando uns colares, brincos, um gloss de vez em quando, comprei até um curvex. Mas a ultima fronteira foi olfativa. Perfumes sempre me deixavam um pouco incomodada, e passar cremes no corpo era chato demais, melequento demais. Bem, depois de alguns anos a gente aprende a gostar de uma massagem, e nada melhor depois de um raro banho sem pressa, que um creminho e uma massagem. Descobri na verdade não um creme, um spray de hidratante, bem mais suave. E quanto aos perfumes, os florais têm me feito muito feliz.
O melhor de tudo isso, ...é me permitir ser a mocinha de vez em quando.


sábado, 1 de maio de 2010

Cortazar é sempre precioso

Rayuela
Cap.07

Toco tu boca, con un dedo toco el borde de tu boca, voy dibujándola como si saliera de mi mano, como si por primera vez tu boca se entreabriera, y me basta cerrar los ojos para deshacerlo todo y recomenzar, hago nacer cada vez la boca que deseo, la boca que mi mano elige y te dibuja en la cara, una boca elegida entre todas, con soberana libertad elegida por mí para dibujarla con mi mano por tu cara, y que por un azar que no busco comprender coincide exactamente con tu boca que sonríe por debajo de la que mi mano te dibuja.

Me miras, de cerca me miras, cada vez más de cerca y entonces jugamos al cíclope, nos miramos cada vez más de cerca y nuestros ojos se agrandan, se acercan entre sí, se superponen y los cíclopes se miran, respirando confundidos, las bocas se encuentran y luchan tibiamente, mordiéndose con los labios, apoyando apenas la lengua en los dientes, jugando en sus recintos donde un aire pesado va y viene con un perfume viejo y un silencio. Entonces mis manos buscan hundirse en tu pelo, acariciar lentamente la profundidad de tu pelo mientras nos besamos como si tuviéramos la boca llena de flores o de peces, de movimientos vivos, de fragancia oscura. Y si nos mordemos el dolor es dulce, y si nos ahogamos en un breve y terrible absorber simultáneo del aliento, esa instantánea muerte es bella. Y hay una sola saliva y un solo sabor a fruta madura, y yo te siento temblar contra mí como una luna en el agua.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Chão

O pé que não sustenta segue a pista.
Não tem chão.
O Dragão da Sorte,
leve como a nuvem,
não tem asas.
É alegre, veloz e canta mesmo ferido.
Vou dormir e sonho.
Aquele sonho recorrente que basta agitar os braços para alcançar o ar
Saio de casa, do prédio, da rua, do meu corpo.
É necessário agitar os braços, nadar mesmo.
caso contrário começo a descer e esbarro nos fios de energia.
Mas não posso agitar com tanta força, subo demais.
Tenho medo de altura.
Mesmo sonhando.
Me descubro do alto,
e nada é como assim me parece.
E onde começa e termina o sonho...
No chão certamente.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Pedrinha

Olho pro lado distraída e lá está você
minha pedrinha guardada
lembrança da praia
invenção de horas vagas
de vagas mais fortes que ondas de ressaca
o calcanhar ainda dói
mas essa foi a concha.

História de boca

...e fim.
Pronto. Agora vamos dormir.
Moãe?
Sim?
Conta a Sem Fim agora?
Hum, amanhã, hj não.
Então me conta uma história de boca?
Ok, ta certo, de boca então.
Era uma vez...
uma boca cheia de dentes.
ô Mãe!??
Quer ou não quer uma história de boca?
Ta bom! Quero!
Era uma vez uma boca cheia de dentes.
Tinha dentes de leite mas também permanentes.
Tinha janela, porta e portão.
E no almoço gostava de comer macarrão.
Essa boca também falava.
gritava, cantava e assoviava.
Essa boca também dava beijo,
duplo de nariz, bitoca e queijo.
Agora boa noite.
Essa boca também diz
Mãe, eu amo você.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Identidade

Se eu sou eu,

Cadê o meu vaso?

Se você sou eu,
Quem sou eu?

[Da arte de subir em telhados
Cia Armazém de Teatro – jul02]

Cora

A Lua escura guiou os viajantes.
No meio do Serrado
A cidade dormia.
No ar, força e poesia, a alma da cidade.
Ela os escolheu.
Seu destino foi traçado.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Hospital

Sem dramas.
Aquele tom de reticências que se espera subentender, lágrimas,
jogos de palavras e expectativas irreais,
passam a nada quando se tem coisas mais elementares em que pensar.
Essa clareza só se tem antes da morte ou quando um filho adoece.
Aqui, depois de alguns dias de prisão,
com um serviço de quarto eficiente, um bom ar condicionado e sem preocupações com a conta no final,
é quase férias, não fosse a pequena de molho na cama com uma veia recebendo antibióticos.
Minha maior preocupação é distraí-la e evitar que seus movimentos inquietos de criança danifiquem o acesso à veia. A dor de um novo furo será certamente maior em mim que nela.
Nestas circunstâncias, algumas coisas da vida se tornam pequenas e sem importância.
Se vou pagar..., conseguir..., ter..., fazer..., viajar..., encontrar...
Todas as angústias do cotidiano se transformam em fumaça.
Tudo fica tão fácil de resolver que dá até uma certa alegria.
Até aquela frustração vira nada. Não engasga mais.
O melhor gosto da noite foi tirado do veneno de outros tempos.
Bom, ainda tenho alguns dias de claustro.
Muito desenho animado, paciência e criatividade.
Certamente sairei desta mais leve do que quando entrei.

terça-feira, 16 de março de 2010

Fato

Fernando Pessoa é quase um manual para a alma
não é possível pensar em viver e morrer,
com todo o drama que se carece,
sem ler um único de seus mandamentos.

Mais Pessoa

Cartas de Amor


Todas as cartas de amor são ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras, ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser ridículas.
Mas, afinal, só as criaturas que nunca
escreveram cartas de amor é que são ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso cartas de amor ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor é que são ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas, como os sentimentos esdrúxulos,
são naturalmente ridículas.)
(Álvaro de Campos)

domingo, 14 de março de 2010

Sou Eu

Fernando Pessoa

Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
De haver melhor em mim do que eu.
Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.
Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo —
A impressão de pão com manteiga e brinquedos
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.
Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.
Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.
Sou eu mesmo, que remédio! ...

quinta-feira, 11 de março de 2010

outra vez...

Quero deitar na grama,
conversar sem hora pra levantar.
Contar da vida,
da sorte de encontrar os amigos,
dos filhos,
das viagens
e caminhos do tempo.
Dividir o coração
caber não menos que no mundo.
Ficar muda sem compromisso
sentir o vento sem medo
e seguir tranquilamente.

terça-feira, 9 de março de 2010

oco

[oco]
de dentro nem um som
[palavra]
a lágrima mal consegue sair de susto
o riso nem se arrisca
o segundo é eterno
momentos de euforia e confusão
raios e trovões
ventos trazem a memória
[oco]
o silêncio é parte delírio
[palavra]
imagens confusas no livro aberto
o silêncio não existe
as palavras estão lá
como aquele dia que nunca existiu
e que sinto o gosto até hoje.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Eros e Psique

Fernando Pessoa


Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O Balão


Ele ficava na prateleira da loja
junto, um urso de pelúcia vestindo uma malha universitária, um macaco de feltro cor de rosa e uma arca de Noé de madeira com casais de bichos dentro.

Era vermelho e tinha uma cestinha de palha trançada com saquinhos de areia pendurados. Na verdade era mais um enfeite que um brinquedo. Pois não fazia sons ou luzes, não se movia sozinho nem servia para jogar ou dormir abraçado. Mas era um personagem perfeito para a imaginação.

A loja era divertida. Tinha muito movimento de crianças e os donos amavam os brinquedos.

Sempre que uma criança entrava na loja a diversão era adivinhar pelos seus olhos qual brinquedo ela buscava.


-Olha! Lá vem um menino!


-O que será que ele vai levar?


-Hum, pelo jeito moleque ele quer uma bola ou uma bicicleta.


-Não, sou eu!! Ele quer um Trem!! Ele tem cara de sonhador, quer viajar!


E assim passava o tempo...

Um dia entrou uma menina.
Pela mão da avó ela percorria os corredores da loja olhando tudo atentamente.

Os brinquedos se agitaram e começaram seu jogo.


-Ela está vindo pra cá!


-O que será que ela quer?


-Ah! Ela quer uma boneca, claro! Disse o carro de corrida com ar superior.


A menina pegou uma boneca grande, quase do seu tamanho...


-Eu não disse!!? Falou novamente o carrinho.


... e meio sem jeito devolveu na prateleira com um sorriso quase de desculpa.


Continuou sua busca.

O vendedor foi ajudar.


-Olá pequenina, o que você está procurando?


-Ainda não sei, ela respondeu.


-Que tal um jogo?


Aquele sorriso novamente.


-Uma casinha de bonecas?


-Obrigada, mas eu já tenho uma.


-Nossa, essa está difícil! Falou o palhaço de blocos coloridos de encaixar.


-Ohahhhh! Bocejou uma Barbie. Ela não parece que vai me escolher, então vou dar uma cochilada.


-Ela está vindo na nossa direção!! cochichou o macaco rosa.


-Ela quer um Urso!! É comigo pessoal! Ela está olhando pra mim!!!!


Na verdade, era para o balão que ela estava olhando.


-Eu quero aquele balão, vovó!


-Claro minha querida.


-O senhor pode trazer por favor? Pediu a avó ao vendedor.


A menina abriu um sorriso e seus olhos brilharam.


-É isso!! Ele é lindo! Adorei!


O balão ficou cheio de orgulho.

Finalmente teria uma criança para brincar.

Se despediu dos amigos e seguiu numa sacola com sua nova amiga.

Quando chegaram em casa, brincaram de exploradores, viajaram por terras distantes por longos dias na companhia de outros personagens.

O balão era um dos seus brinquedos favoritos, ela sempre dava um jeito de encaixá-lo nas brincadeiras.

Mesmo com a menina crescendo, ele estava sempre por perto.
Ficava pendurado por um fio no teto do quarto acompanhando sua amiga.

Quando a janela estava aberta, ele se movia com a brisa como de voasse de verdade.

Ela cresceu, e um dia mudou de casa. Numa caixa, guardou alguns brinquedos que levou consigo. Entre eles é claro, o balão. Esta caixa ficou um tempo no escuro do armário, até que um dia, a porta se abriu e a menina, já grande e um tanto redonda resgatou seus brinquedos daquele pretume.

Todos foram colocados num quarto de criança novinho, recém pintado e com um berço branco no meio.

O balão ganhou novamente seu lugar num gancho no teto, bem perto do berço.


-Pronto, daqui minha filha vai poder te ver voando!


O balão ganhou também uma nova amiga para novas aventuras.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O eterno Deus Mu Dança

Desde criança adoro mudar os móveis de lugar.
É uma maneira de fazer circular a energia da casa e reorganizar meu universo particular.
Minha mãe chegava do trabalho e ficava louca quando entrava e a casa era outra.
Hoje, na minha casa, tenho essa mania ainda. A casa muda sempre.
Tem uma relação com meu espírito inquieto, geminiano, obsessivo.
Como as gotas de chuva que vão procurando um caminho para melhor escorrer e fluir, a energia da casa flui de acordo com a posição dos móveis seguindo um fluxo cotidiano de movimento das pessoas e objetos. Gosto de mudar estes planos de vez em quando. Gosto de me virar para buscar um copo e dar de cara com as panelas. Faz pensar e elimina o hábito. Provoca tropeços mas também cria surpresas.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Risoto de Camarão

Ingredientes:
Arroz, camarões frescos e aspargos
Temperos:
Sal, alho, cebola, paciência e dedicação.
Para beber:
Vinho.
Estava (muito) calor, então o vinho branco ganhou uma pedrinha de gelo e algumas rodelas de laranja.
Chovia torrencialmente, o pudim de leite da Joana sobreviveu à chuva mas não à mesa.
Amigos antigos, amigos novos... todos comemos, bebemos, rimos, alguns dormiram outros sonharam.
Assim foi o penúltimo dia de 2009, já com o compromisso do próximo jantar entre amigos.
Que 2010 seja cheio destes momentos.
Que este seja o primeiro de muitos outros jantares entre amigos!!