segunda-feira, 30 de agosto de 2010

No mar outra vez

Foi como se meu corpo já esperasse por cada movimento, cada pedaço de mim se sentisse confortável e naturalmente se envolvesse em nuvens que navegam no vento sem esforço.
Eu reconhecia aquele destino.
O tempo experimentado com calma num mergulho suave, o perfume preciso e os olhos, sem querer acordar de um sonho, enxergavam através do seu espelho.
Eu poderia ficar ali para sempre.
Dividir um prazer, um sonho, um desejo.
Me tomou.
Me levou embora de um jeito que não consegui evitar.
Não me sentia assim em paz desde muito tempo.
Me levou e ainda não voltei.
Quando acordei, estava num bote à deriva sem entender exatamente o que tinha me virado do avesso.
As mãos se ocupavam perdidas, um vácuo enchia o peito, a pele doía só com a roupa, o ar entrava e não saía. A cabeça latejante evitava outros pensamentos e os dias passavam em cenas de um filme mudo.
Hoje, lembro do gosto do acontecido como quem lembra do mar, que me levou e ainda não voltei.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Paulo Leminski

Um bom Poema

Paulo Leminski
















um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

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Isso é porque ando feliz
e quando estou feliz,
com a cabeça nas nuvens,
sem a veia dramática que inflama de vez em vez, 
não me baixa nada na cabeça
que queira subir pro papel e me puxar junto de volta.

sábado, 7 de agosto de 2010

Florbela Espanca

Amar

[Florbela Espanca]


Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...