domingo, 31 de julho de 2011

Valei-me Cortazar!


Instruções para subir escadas


Ninguém deve ter deixado de reparar que frequentemente  o chão se dobra de uma maneira que uma parte sobe em ângulo reto com o plano do chão, e, em seguida, a próxima parte está colocada de maneira paralela a esse plano, dando vez a uma nova perpendicular, procedimento que se repete em espirais ou em linhas desiguais até alturas extremamente variáveis. Agachando-se e colocando-se a mão esquerda em uma das partes verticais e a mão direita na parte horizontal correspondente, logra-se a posse momentânea de um degrau ou escalão. Cada um desses degraus, formados, como pode-se ver, por dois elementos, está situado um pouco mais acima e mais adiante que o anterior, princípio que dá sentido à escada, já que qualquer outra combinação produziria formas talvez mais belas ou pitorescas, mas incapazes de transportar de um térreo a um primeiro andar.
As escadas se sobem de frente, pois de costas ou de lado são particularmente incômodas. A atitude natural é manter-se em pé, os braços dependurados sem esforços, a cabeça erguida, mas não o suficiente para que os olhos deixem de ver os degraus imediatamente superiores ao que se pisa, e respirando-se lenta e regularmente. Para subir uma escada deve-se começar por levantar essa parte do corpo situada à direita e abaixo, quase sempre envolta por couro ou camurça, e que, salvo exceções, cabe exatamente no escalão. Colocada no degrau dita parte, que, para abreviar, chamaremos de pé, recolhe-se a parte equivalente da esquerda (também chamada pé, mas que não se deve confundir com o pé anteriormente mencionado) e, levando-a à altura do pé, faz-se que continue até colocá-la no segundo degrau, com o que, neste, apoiará o pé, e no primeiro apoiará o pé. (Os primeiros degraus são os mais difíceis, até adquirir-se a coordenação necessária. A coincidência de nomes entre o pé e o pé torna difícil a explicação. É especialmente importante cuidar em não levantar ao mesmo tempo o pé e o pé.)
Chegando-se dessa forma ao segundo degrau, basta repetir alternadamente os movimentos até encontrar-se com o final da escada. Pode-se sair dela facilmente com um golpe ligeiro do calcanhar que o fixa em seu lugar, de onde não se moverá até o momento de descer.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Deixar acontecer

Me perdi
procurando respostas.
Me esqueci,
você não tem explicação.
Veio com o vento,
e no vento vai partir.
Não tem linha que te prenda
feito pipa em mão de menino.
Se tento te definir,
você evapora em silêncio
para depois,
aparecer novamente e permanecer por perto.
Parece esperar que eu aprenda a lição mais difícil.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

O bom e velho Chico

O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita

O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite

O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo

domingo, 17 de julho de 2011

Amanhã será outro dia,
mas adio o sono como quem tem medo do dentista,
como quem evita um olhar,
como quem não admite um erro para si mesmo.
Semana desastre,
fim de semana no poço sem fundo das minhas agruras,
domingo difícil...
Sentir algo tão perto e tão longe é de fato o maior dos pesadelos.



É como aquele sonho em que gritamos e a voz não sai.
Do outro lado da rua, você não me escuta e some no mundo.
Eu grito, espera!
você evapora.
Então acordo.
Se eu não dormir,
não vou precisar gritar,
você não vai sumir,
você não estará do outro lado da rua.

domingo, 10 de julho de 2011

Aprendendo a voar


Por um lapso, uma falha no encantamento que o deixa invisível,
percebi sua presença, neste labirinto silencioso.
Ali parado como um espelho, me reflete as avessas mostrando outra paisagem.
Não me vejo neste espelho, o que me assusta e ao mesmo tempo intriga e atrai.
Será que você me vê?
Será que te faço algum sentido?
Sigo, sem palavras, meu instinto
Deixo para traz o peso do entendimento.


O caminho,
já disse,
não carece direção.
Vai se mostrando aos bocados feito curva.
Neste momento só quero ser uma entidade flutuante
que segue guiada pelo vento.
Que sobe alto
e sente um frio na barriga
e vê a cidade lá de cima.
Na esperança de ver mais além,
acabo por encher a alma de pedras novamente
e desço.

Desassossegos de Fernando, e do Zé, da Joana, do Joaquim, da Maria...

Não o amor, mas os arredores é que vale a pena...
A repressão do amor ilumina os fenômenos dele com muito mais clareza que a mesma experiência. Há
virgindades de grande entendimento. Agir compensa mas confunde. Possuir é ser possuído, e portanto
perder-se. Só a idéia atinge, sem se estragar, o conhecimento da realidade.

sábado, 2 de julho de 2011


Se fecho os olhos 
viajo, 
Se abro, 
marejo.
Se durmo, 
trabalho. 
Se acordo,
perambulo.
Se desejo,
você não responde.
Se ignoro,
não respiro.