terça-feira, 27 de março de 2012

Para que não restem mais dúvidas ou uma história sobre o tempo



Experimenta!
qual é o seu?
Coco, e o seu?
uva, quer?
quero!

Os outros amigos se olharam e apressaram o passo deixando os dois na esquina da vila.
O gosto da uva e do coco se misturaram e foi o inicio de um romance.
Tímidos, nem sabiam ao certo o que fazer apenas seguiram pela rua sem comentar o que aconteceu. Aqueles sentimentos eram novos e inesperados. Não sabiam nada um do outro, não sabiam que podiam perguntar nem mesmo o quê perguntar. Apenas se deixaram descobrir entre olhares fortuitos, mãos que se tocavam não tão acidentalmente e carinhos discretos enquanto ninguém estava olhando. 
O flerte dos tímidos é uma tortura medieval, mas a vontade de estarem juntos foi maior e começaram a namorar. Passaram um ano inteiro de mãos dadas e beijos trocados no sofá da sala sob olhos vigilantes. Não saíam quase nunca, estabeleceram uma rotina segura e linear que não dava trabalho manter. Eram tão crianças que não sabiam o que fazer com o que tinham nas mãos. Como se ter um jogo intrincado sem o manual de instruções. Os mais libertos inventariam suas próprias regras mas eles não arriscaram e resolveram guardar na caixa até saber o que fazer. Ela queria arriscar, mudar o ritmo, dar asas ao desejo e mais vida aquela história, mas não tinha coragem nem sabia como pôr contra a parede a menina responsável e exemplar. Isso tem um peso enorme e repressor. Enquanto ele, que talvez tivesse essa coragem, não sabia que ela não estava feliz. Ele a amava e seguia paciente, investindo no que tinham e até provocando-a algumas vezes com sua respeitosa ousadia esperando que ela confiasse nele e o seguisse. Mas ela não se sentia livre, não conseguia acompanhar seu instinto. Ela só sentia que não cabia mais dentro daquela história, que alguma coisa estava errada, mas nunca disse nada.

Não sabia que podia. 

Estavam perdidos no silencioso limbo adolescente daquela cidade do interior até que ela, atraída pelos ruídos e luzes do mundo além do portão, achou mais fácil romper o laço e eles se perderam.

Sem que soubessem como ser diferente, se afastaram quase sem querer.

Alguns anos vividos, uns cinco ou menos, se encontraram por a caso na rua. Ela sentiu uma vontade enorme de que o tempo parasse ali, mas teve medo de sair do caminho em que já estava e voltar ao limbo do qual fugira por impulso. No ar uma sensação estranha de que ali existia uma porta que deveria atravessar, mas a palavra mágica que a abriria já se ia perdida em algum canto da memória. Tentando ganhar do tempo, ela o convidou para uma visita no dia seguinte e ele foi. Ele esperava uma palavra, um movimento, qualquer sinal que o fizesse dizer que a queria de volta. E ela o mesmo. Ele tomou coragem e fez mais que dizer uma palavra, ele a beijou deixando claro o que ainda sentia e dando a ela a escolha. Ela teve medo mais uma vez, morreu por dentro e o deixou ir.
Ela tentava entender porque com todo o sentimento que guardava, não havia sido capaz remexer nas lembranças e encontrar o fio que a levaria até a chave daquela porta. Ela ainda o atava sem razão à imagem de tudo do aquilo de que queria se afastar. Voltar, pensava tolamente, seria abrir mão do desconhecido a sua frente. Por isso se conformou e outro ciclo de tempo passou, sem contato mas não sem lembranças quase sempre com saudade. Foi uma página da história arrancada e guardada por falta de coragem de mudar e enfrentar o que fosse preciso pela pessoa que amava. Guardou essa mágoa dela mesma por muito tempo.

Sua vida andou, a dele também.

Ambos estavam comprometidos e ela, depois de muito se atormentar, telefonou para contar que ia se casar. Ela no fundo esperava ouvir alguma coisa que a fizesse mudar de ideia milagrosamente. No entanto, levou um golpe ao ouvir sua voz quase indiferente do outro lado dizendo que ele também tinha seus planos. Ela mereceu ouvir isso. Ela sabia que era responsável.
Sumiram um do outro agora por mais tempo, casaram, tiveram seus filhos, seus amores e dúvidas, mas nunca deixaram de pensar um no outro, sempre ocultamente como um profundo segredo, como se esconde algo feito de muito errado, como se fosse impossível e inócuo se reencontrarem mais uma vez. Era tarde demais.

Mas o laço existia ainda. 

Dez ou onze anos depois, novo reencontro teima em acontecer. Se descobriram na internet e marcaram um encontro. Ela ainda atormentada por uma separação difícil e passando por um momento de resgate da sua identidade, viu no encontro, uma possibilidade de se entender e reencontrar consigo mesma e, quem sabe, fazer as pazes com seus próprios fantasmas. Mas no fundo o que realmente queria e, nem para si mesma foi capaz de admitir, era saber se ele ainda a amava. Era uma tentativa desesperada de se sentir amada por alguém e ela sabia que ele nunca havia deixado de amá-la. O que ela não sabia era que não estava preparada para ver que o laço que os prendia ainda estava presente e que eles agora eram pessoas completamente diferentes. Se encontraram, primeiro num café, depois seguiram para um bar, conversaram muito sobre tudo, sobre o que aconteceu e porque. Uma conversa longa, tensa, cheia de palavras medidas. Ela sentiu que ele estava ali inteiro ainda com seus sentimentos mas não foi capaz de se desarmar e se trancou novamente. Seu instinto era de preservação e não de entrega. Aquela energia que vinha dele só conseguia fazer com que ela se culpasse mais ainda por tudo. Ela ainda forçou um novo encontro mais tarde, onde conseguiu ser mais distante que no primeiro. Foi aí que percebeu que não poderiam ser amigos. Tinha muita coisa ainda a flor da pele que ela não conseguiria lidar. Carências atuais, desejos antigos, mágoas, orgulho... tantos sentimentos misturados que ela não conseguia emergir da sua loucura e enxergar o que estava ali na sua frente. Além disso, ele estava casado, com filhos e ela não podia sequer imaginar provocar em alguém o que tinha sofrido.

Nova fuga.

Ele não entendeu nada, lógico, e seguiu sua vida mais uma vez. 
Ela ficou envergonhada de ter provocado todo aquele movimento e mais uma vez recuado. Eles não entendiam como podiam estar ainda tão ligados e ao mesmo tempo tão perdidos. O que restava a fazer era seguir em frente. Ela seguiu curando suas mágoas, e um dia de cada vez tinha suas camadas de medo desprendidas e sua alma libertada. Se houve um aprendizado nisso tudo, o mais importante de todos, foi entender que cada coisa tem seu tempo para acontecer. E que as vezes o processo pode ser de minutos, mas as vezes pode durar anos. E mais uma vez, passados mais cinco anos, lá estava ela novamente deparando-se com a necessidade urgente de encarar novamente aquela pessoa. Desta vez, queria se desculpar por tanta confusão e explicar que finalmente tinha entendido o porquê de tudo aquilo. E claro, queria vê-lo novamente, agora sem amarras, sem medos. 

Transparente.

Foi o que fez. Fez contato, delicadamente preparou-se para uma recusa gentil, mas qual não foi sua surpresa, ele aceitou. Se encontraram, ou melhor, se reencontraram verdadeiramente pela primeira vez em 24 anos e este foi o primeiro dia do resto de suas vidas. 

segunda-feira, 19 de março de 2012

O que vale a pena

Ouvir:
Mãe, você é a mãe mais bonita do mundo
Eu fico olhando as outras mães das outras crianças e
penso que se eu fosse filha delas seria muito estranho.

Viva!

Corre! desgarra dessas raízes que te atam ao chão!
Respira! Vai parar a dor!
Dança! Gira por entre nuvens de desejo!
Arde! Cada minuto com paixão!
Ouve! Seu coração sabe para onde ir!


quarta-feira, 14 de março de 2012

sem título

sem titulo
sem nome
sem explicação
um espasmo percorrendo a espinha
o pulsar das pernas formigantes
a nuca em chamas
as mãos trêmulas
as palavras ausentes
é isso e nada mais
sem explicação

quinta-feira, 1 de março de 2012

Mágoa

S.F.
1.Pedaço de carne mal mastigada
que desce garganta adentro rasgando e não é digerida rapidamente.
2.Sopro dentro das veias que impõe soluço ao coração.
3.Perfume velho que teima em exalar a essência do que já foi.
4.Medo de olhar pra frente e seguir seu caminho.


Esquina

















Não senti.
Passei rápido para não demorar o tato.
Sua mão segurou meu braço.
Não pude olhar nos olhos.
Fixei o olhar na camiseta azul.
Desbotada conhecida.
Troquei rapidamente palavras automáticas e segui
até o bebedouro onde dois goles de água entalaram na goela.
O tranco me fez encarar a realidade.
Não tive tempo de enganar.
O choro veio
A lágrima não.
Ele saiu em silêncio.
Nunca mais o vi.